terça-feira, 27 de abril de 2010

Você gosta de ver trabalhos onde o risco e a aventura estão presentes no momento de sua apresentação?

Gostaria de saber como foram tocadas as companhias européias que se apresentaram na V Edição do Visões Urbanas. Quais terão sido as reflexões diante de suas apresentações na cidade de São Paulo e após assistirem os grupos da América do Sul Uruguai e Brasil?
Sim, porque falando dessa edição especificamente, me parece que a disposição para a experimentação estava presente em todos os trabalhos apresentados pelas companhia que desenvolvem suas pesquisas abaixo da linha do Equador, ou pelo menos foi incluída a improvisação, admitindo os riscos que obras assim construídas pressupõem. Até porque eu não vejo outra maneira de se trabalhar na rua, com a rua e para a rua, sem incluir tais ingredientes (mas isso já é lá uma idéia minha).
A discussão está aberta: será essa uma característica necessária às criações para meio urbano? Seremos nós mais afeitos à experimentação uma vez que a rua não pode ser subestimada e seus pés tocarão pisos diferentes, toparão com trânsito de pessoas distintos, ventos fortes ou fracos?
Vocês podem me responder se quiserem : Ana Gastelois, Jorge Schutze, Jorge Garcia, Silvana Abreu, Mariana Marchesano,Viviane Hernandes, Paulo Azevedo, Margareth Kardosh e Vitor Costa.
Percebi que estruturas muito rígidas de cenografia e direção da movimentação acabam por tirar o prazer da rua, ou seja, o desafio de instalar sua obra em um local diferente a cada vez. Isso não elimina a belezura que trabalhos como os vistos nessa edição que continham essas características provocaram em suas apresentações: vide Irene K!
Pseudópodos é uma peça absolutamente "marcada", mas construída de forma especial que pressupõe momentos que estão inteiramente a cargo dos interpretes, desde colocação no espaço até a escolha e duração de seu movimento (estou certa Paulo?) onde não vi nenhum dos intérpretes deixarem de privilegiar os 360 graus que a rua possibilita. Até porque quem escolhe o lugar onde vai ficar é a platéia (sempre espontânea) e não o artista. Aqueles que teimaram em determinar onde ficaria o publico viram que isso é impossível em se tratando de trabalhos para a rua!
Uma Europa acostumada a manifestações artistícas durante o ano todo é muito diferente de uma cidade como São Paulo, em que ainda se xingam os artistas e consideram a arte urbana uma coisa de quem não tem o que fazer!
Por mais que tentemos explicar aos grupos internacionais quais as condições de trabalho que vão encontrar, é só no contato direto com a cidade que vão perceber isso. E acreditem- como eles gostam!
Considero que a V Edição do Visões Urbanas foi didática em muitos sentidos e um aprendizado para a organização e para a Cia Artesãos do Corpo.

Mas conversando com produtores de companhias, como a Provisional de Madri por exemplo, fiquei intrigada com suas declarações sobre trabalhos para a rua, um lugar segundo ele, em que o publico dispersa e a apresentação não pode ser controlada. Questionei-o: e no teatro pode? Quantas peças, muitas dos Artesãos, em que cenas improvisadas vão pro beleléu solenemente( Espasmos Urbanos - cena: Bussines), sendo essse risco parte integrante da concepção da peça?

Nós da direção do Visões Urbanas não pretendemos realizar nenhuma critica sobre os trabalhos, nossa idéia é abrir para discussão do que significa criar para a rua. A pergunta é PARA QUÊ você faz o que faz? E como vimos - por quantas maneiras belíssimas podemos criar para a rua!
Mirtes

5 comentários:

  1. É isso mesmo Mirtes!
    Eu sinto também que a nossa condição sub mundista (mundana) impõe certas condições: a técnica corporal para a dança é importada (em geral), o espaço tradicional é caro e frio, o público se afasta cada vez mais do edifício teatral. Quem quer ficar preso a uma sala escura e perder todo o espetáculo de luzes, sombras e luares no calor de nosso céu?
    o nosso corpo grita diante de tais precariedades, é preciso que ele grite! para que nos saibamos vivos. A precariedade é uma das nossas maiores musas, disse a Mariana (LaCasa Uruguai). Não sei se isso é bom ou mal, isso é a nossa condição. Talvez por isso a rua é o nosso lugar. É o meu com certeza. Em Alagoas não consigo seguer pensar em produzir para Teatro. Nem meus amigos iriam, e eu lhes dou toda razão.

    A coreografia para nós especificamente, é parte de uma história de autoritarismo estético, que nunca convence o corpo, tragicamente em busca de relações. Quem se relaciona se confronta com o inesperado, e o deseja. A razão de muitos casamentos acabarem no nosso mundo tem sido as coreografia sexuais, repetidas noite após noite. O corpo nós que vivemos sabemos disso, procura o inesperado, deseja o inesperado, prefere o risco do novo, à brochante monotonia da estrutura que a burocracia nos impõe desde a formação das primeiras capitanias hereditárias.

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  2. Jorge

    Será que os teatros ficaram tão abandonados, mal cuidados, em mãos de burocratas que nem de longe sabem o que é receber pessoas para verem uma obra artistica, que acabaram por ficar moribundos como estão?
    A discussão de como levar público aos teatros é inutil. Passou. Teatro lotado é teatro com ator global ou com peça importada.
    Aqui em São paulo, ator e bailarino vai ao teatro para assistir ator e bailarino. E é só!
    Certa vez conseguimos pauta num certo teatro fantasma aqui da cidade. A coordenadora nos chamou e nos disse que era responsabilidade dos grupos que lá se apresentam lotar pelo menos 50% da platéia, caso contrário naò poderiam mais se apresentar lá. E eu rebati na hora: acho que vc deve fazer isso mesmo! Até ela tomou um susto. Faça isso mesmo, disse eu. E saimos rápido, antes das gargalhadas. Já lá fora, olhamos pra tras - mais um teatro que morre, pois artista não tem obrigação de trazer público aos teatros. Eu que não caio nessa. O lugar é cheio de não pode e as pessoas nem sequer sabem que naquele buraco existe um teatro. Os funcionários torcem pra gente usar a luz do infantil que se apresenta ã tarde para não terem que subir a escada e afinar refletores. Enquanto ensaiavamos eles roncavam nas ultimas cadeiras da platéia. Não há condições de pensar em um mapa de luz minimamente decente, ou colocar um objeto por exemplo em cena. Tudo é largado. NÃo há prazer em receber pessoas.
    Lembra da mostra de video dança no Goethe? Fiquei olhando aquele video da Sasha Waltz. menino: vc já imaginou um aquário daquele tamanho num dos nossos palcos?
    Os SESCS por exemplo só possuem duas unidades aqui em SÃo Paulo capazes de receber peças do repertório Artesão: uma é o SESC Santana e a outra o Pinheiros. Nunca nos apresentamos em nenhuma delas. 11 anos de companhia...
    Mas não é por isso que criamos na rua. É por necessidade artistica. Sei que com vc se dá o mesmo. Não estamos na rua por falta de público ou teatros. E sim por prazer em desenvolver uma moviemntação viva. Entretanto há uma mudança em curso e muitas ações estão sendo desenvolvida para a rua por inumeros artistas plasticos, arquitetos, pintores e dançarinos.A rua é uma forma de superar o bolor das antigas tradições(embora não exista nada mais velho do que teatro e dança na rua) e se colocar no centro dos acontecimentos. Imagina aquelas pessoas para as quais vc dançou naquele dia.Gostaria muito de saber como elas ficaram depois dessa experiência. Sim, pois elas pararam sua marcha em rumo a sei lá o quê e receberam algo extraordinário. Imagine os guardas! Alguém se moveu em frente à eles e esses movimentos não eram da violência ou da resistência. Eram arte. Como será que eles ficaram depois disso? Nós nunca vamos saber, mas tenho certeza de que a vida fica melhor quando a gente dança.
    Gostamos de criar para o palco e para a rua. Mas estamos tão cheios dessas dinamicas, que esse ano resolvemos partir em busca de espaços meio rua, meio sei lá o quê, que comportem peças de nosso repertório de palco e ver o que dará.
    Mas sempre, seja no palco, seja na rua, acompanhados da musa a que se refere a Mariana do La Casa - a precariedade.
    Adoro tudo isso.

    quando vc fala do céu, da luz da lua e das sombras, já me dá vontade de ter no Visões um horário noturno...mas o céu daqui...bem isso já é uma outra história.
    mirtes

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  3. Eu acredito que, em qualquer configuração, em lugar fechado ou aberto, na sala de teatro ou na rua, realizando coreografia bem marcada ou improvisada, o artista cênico é o artista do encontro, da relação, da mistura de corpos. Ele é necessariamente um ser aberto ao risco, disposto a ser afetado pela atmosfera, pelos estímulos, pelos ventos que atravessam seu corpo, onde quer que ele atue. Nada está garantido, ele nunca sabe onde tudo vai terminar. A sala fechada pode dar uma ilusão de segurança, de controle, mas o risco está presente ali também, com a mesma intensidade. Na rua ele está mais evidente, mais visível, multiplicado e amplificado. Posso me esquivar do risco tanto na rua quanto na sala fechada. Posso querer “dirigir” o público em qualquer configuração. A coreografia marcada não me isenta de jogar-me no abismo do inesperado que me aguarda no aqui-agora. Em outras palavras, estar em Vida. A maravilha de atuar na rua é que a vida está fluindo escancaradamente. Ela vem em amplos movimentos de todos os lados. Sinto uma grande alegria e sentir meu corpo pulsando nessas ondas, nesse mar. Talvez seja apenas uma questão de dimensão visível. Já passei por intensas relações que marcaram meu corpo tanto na rua quanto no teatro. Assistindo Andrei Serban, Ariane Mnouchkine, Pina Bausch, Denise Stoklos, todos em espaços fechados, fui tomada pela transformação imediata que provocou forte minhas emoções. Assistindo o Jorge, senti a alegria de ver a dança fluindo livre na rua. Vendo um espetáculo de bonecos ou um teatro japonês, minimalista, tão delicado que praticamente não há movimentos, nem no palco nem no público, tenho a certeza que aí também moram as ventanias e os demônios, também aí há esse jogo com o risco. Às vezes é sutil, às vezes é explosivo. Pode haver Vida ou não, pode haver potência de criação ou auto-engano e ilusão em qualquer desses espaços ou escolhas coreográficas.
    A rua reafirma o meu desejo de vida, a minha confiança na vida e nos encontros, nas relações que fortalecem corpo-pensamento-emoção. E como a arte é o caminho que cria pontes sobre o impossível.

    Silvana Abreu

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  4. Silvana:Parece que estamos conseguindo clarear nossos pensamentos para não cairmos na armadilha dualista de essa ou aquela forma, nesse ou naquele lugar. Mais do que onde fazemos o que fazemos é como e para quê fazemos o que fazemos. O lugar pode ser qualquer lugar: aberto, fechado - vide por exemplo o Caixa de Imagens - quer lugar mais maravilhoso?
    Mas a rua é digamos, a loucura geral! A Caixa de Pandora!
    Vou continuar provocando só pra ter o prazer de ler o que Silvana e Jorge escrevem.
    beijos à vcs.
    mirtes

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